domingo, 11 de novembro de 2007

Quando volto à terrinha vindo da cidade onde estudo, tenho o hábito de me por a ler a imprensa espalhada pela casa nas últimas semanas, já que não costumo ler jornais e revistas no dia-a-dia do Porto.
Folheava eu a revista Única do Expresso, de 20 de Outubro, - tão embelezada na capa pelas fuças do Miguel Sousa Tavares – quando me deparo com um texto, surpreendentemente escrito por um médico de nome Francisco Patrício, sobre homeopatia. Nele, alerta que os remédios homeopáticos devem ser administrados por alguém competente, com um mínimo de conhecimento médico – adquirido através de um curso de Medicina. Também refere, muito resumidamente – trata-se de um curto de artigo ocupando um terço de uma página -, um exemplo a reforçar a eficácia da terapia onde nos informa que apis numa diluição de C15 administrado a uma vítima de uma picada de abelha resulta num controlo imediato da reacção alérgica.
Ora, porque digo eu “surpreendentemente escrito por um médico”? Porque, apesar de recomendar que a homeopatia seja responsabilidade de alguém com formação em Medicina, parece que este próprio médico não a teve, nomeadamente na parte química. Tomemos o exemplo: uma diluição de C15 significa que pegamos numa substância e diluímos em água, sendo a razão de 1 parte da substância para 100 de água. Seguidamente agitamos e pegamos na solução e misturamos com mais água, sendo a razão a mesma, 1 parte de substância para 100 de água. Isto repetido 15 vezes. Que obtemos no final? 1 parte da substância por cada 1030 de água. Sim, é um 1 seguido de 30 zeros. É muito, mesmo muito. Já estou a ver o médico a tomar quantidades industriais de água para consumir uma única molécula de apis.
Os defensores da homeopatia defendem que isto não importa. Que os seus preparados homeopáticos não contêm remédio mas que a informação fica “gravada” na água. Retirado do site publicado no final do artigo do Express:

“O grande impulso da divulgação da Homeopatia no campo da investigação, deveu-se aos trabalhos de Jacques Benveniste com o célebre e polémico artigo publicado na revista Nature (vol.333 de 30/6/88) sob o título "Human basophil degranulation triggered by very dilute antiserum against IgE”, conhecido em Portugal pela designação de "A memória da água", publicado na revista do jornal Expresso de 1/10/88.”

O texto foi polémico precisamente por não ter bases científicas para as suas afirmações. Foi publicado, no entanto, com o propósito de fomentar o debate científico. Mas parece que os defensores da homeopatia gostam de referir este artigo como prova da eficácia da terapia. Aliás pode ler-se aqui:

“A notable controversy involved French immunologist Jacques Benveniste who in 1987 submitted a paper to the scientific journal Nature while working at INSERM. The paper purported to have discovered that basophils released histamine when exposed to a homeopathic dilution of anti-immunoglobulin E, a type of white blood cell. Nature, skeptical of the results, requested that the study be replicated in a separate laboratory under identical conditions. Upon replication in four separate laboratories the study was published. Still skeptical of the findings, Nature assembled an independent investigative team to determine the accuracy of the research. The team consisted of Nature editor and physicist Sir John Maddox, American scientific fraud investigator and chemist Walter Stewart, and skeptic and magician James Randi. After investigating the findings and methodology of the experiment, the team found that the experiments were "statistically ill-controlled", "interpretation has been clouded by the exclusion of measurements in conflict with the claim", and concluded "We believe that experimental data have been uncritically assessed and their imperfections inadequately reported."[111][112][113] James Randi stated that he doubted that there had been any conscious fraud, however he stated that the researchers had allowed "wishful thinking" to influence their interpretation of the data.[112]
Numerous health organizations such as UK's National Health Service,[14] the American Medical Association,[15] and the FASEB[114] also contend that there is no convincing scientific evidence that would support the use of homeopathic treatments in medicine.”

O que sabemos então? Não nem uma molécula nos pequenos frascos dos remédios homeopáticos, não há prova que a terapia seja mais eficaz que um placebo e ninguém prova a memória da água – propriedade que, a ser provada, revolucionaria toda a química desde as suas bases.
Como pode então haver médicos a defenderem a homeopatia? Serão pobres conhecimentos em química? Ou haverá interesses económicos? Que melhor ideia para negócio que vender água disfarçada de remédio?

3 comentários:

Rui leprechaun disse...

Recordo-me também de ter lido esse artigo, mas a afirmação acerca da eficácia das altíssimas diluições de facto tem o seu suporte na celebérrima e ainda controversa experiência de Benveniste.

Antes de continuar, aqui fica o link para uma página do site do falecido químico, onde é explicada de forma muito sumária a sua teoria do molecular signaling.

Este é já um passo além da "memória da água" que o trouxe à ribalta, no campo daquilo a que ele chama "digital biology" e que dum ponto de vista puramente científico parece perfeitamente simples e coerente, ou seja, uma ideia teoricamente válida. Se foi ou não comprovada por estudos independentes, isso é que já não sei. Certo é que uma tal comprovação se não afigura nada fácil, como se pode compreender.

Contudo, e a respeito da experiência que celebrizou e ao mesmo tempo ostracizou - o que não abona nadinha em favor da comunidade científica! - Jacques Benveniste, deve dizer-se que uma equipa pan-europeia clama ter repetido os resultados do bioquímico francês, em 2001, como se pode ler neste breve artigo do "Guardian".

De facto, e independentemente da validade ou não destas observações, o certo é que não existe nada de herético na afirmação de que a água pode reter as vibrações moleculares de substâncias que tenham estado em contacto com ela, pelo menos num curto intervalo de tempo. Isso pode ser explicado teoricamente, ainda que tal possa ser considerado puramente especulativo. Pois, mas que seria do conhecimento e progresso científico sem essas ideias "malucas", como por exemplo a VSL do português Magueijo?

Em suma, pode ser ou pode não ser, haverá dúvidas que esteja comprovado e que os resultados tanto da equipa de Benveniste como do time europeu coordenado por Ennis sejam válidos, mas também não parece haver nenhuma refutação séria dessa experiência ou qualquer possível explicação do fenómeno, para além daquela que o cientista francês desenvolveu e que está sumariamente explicada no link acima dos "sinais moleculares".

Logo, um mistério científico para os vindouros decifrarem ou definitivamente desmentirem! Mas, para já, nem uma coisa nem outra nos anais da ciência, embora a aparente comprovação do team europeu possa reabilitar a memória de Benveniste, talvez...

Pedro disse...

Sabiam todos vocês que nunca li este comentário do leprechaun?

Ssra disse...

Lol, confesso que não li o post todo ou o comentário. Shame on me.